Foi retirado do texto da relatora, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), o uso do distritão puro nas eleições de 2022 para deputados
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta-feira (11), por 339 votos a 123, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/11. O texto prevê mudanças nas regras eleitorais. Conforme acordo entre a maior parte dos partidos, foi retirado do texto da relatora, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), o uso do distritão puro nas eleições de 2022 para deputados. O tema, portanto, foi votado como destaque, assim como outros pontos do texto.
O distritão puro prevê, assim, a eleição dos candidatos que obtiverem mais votos no pleito, sem levar em conta os votos dados aos partidos, como ocorre no atual sistema proporcional.
Texto da reforma eleitoral
Durante a votação, o destaque que retirava o distritão do texto da reforma eleitoral foi aprovado pelos parlamentares por 423 a favor, 35 contra e 4 abstenções. Pelo acordo, haveria a retirada do distritão e a manutenção da volta das coligações partidárias, item que também foi retirado do texto e votado como destaque. Esse item, portanto, foi aprovado por 333 a favor, 149 contra e 4 abstenções. Para as alterações valerem para as eleições de 2022, a PEC precisa ser aprovada até o início de outubro, ou seja, um ano antes do pleito.
Além do distritão e das coligações partidárias, outros itens da proposta foram votados como destaques, como o artigo que determina que os votos de candidatas mulheres e negras sejam computados em dobro para fins de cálculo da distribuição do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral que ocorrerem entre 2022 e 2030. O destaque foi aprovado pelos parlamentares.
Cinco destaques
A PEC também prevê, entre outras alterações, o adiamento das eleições em datas próximas a feriados, e a que altera a data de posse do presidente da República que, a partir de 2027, que passaria a ser realizada em 5 de janeiro, e dos governadores e prefeitos, que seriam empossados em 6 de janeiro.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) determinou que a votação de cinco destaques para encerrar o primeiro turno e o segundo turno da PEC ocorrerá nesta quinta-feira (12). A sessão está marcada para as 10h.
Reforma eleitoral e votação de PEC
Por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição, o texto precisa ser aprovado por três quintos dos parlamentares, o correspondente a 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação. Se aprovado, a matéria segue para o Senado, onde precisa de 49 votos, também em dois turnos.
Para que as novas normas estejam em vigor nas eleições de 2022, as mudanças têm de ser incorporadas à Constituição até o início de outubro.
O que é o ‘distritão’?
No modelo de “distritão”, os deputados mais votados em cada Estado seriam eleitos para a Câmara. Todos os votos que foram para candidatos que não conseguiram se eleger seriam desconsiderados.
Nesse sistema, cada Estado seria considerado um grande distrito eleitoral (daí o apelido do modelo) com um número pré-definido de cadeiras na Câmara. O Estado de São Paulo, por exemplo, teria direito a eleger 70 deputados.
É um modelo usado no Afeganistão, na Jordânia e em alguns países insulares.
Apesar do apelido, o sistema de “distritão” é muito diferente do sistema distrital puro, adotado em países como Reino Unido e Estados Unidos.
Ambos são sistemas de voto majoritário, ou seja, são eleitos os candidatos com mais votos. No entanto, no sistema distrital puro, o país é dividido em pequenos distritos que elegem apenas um candidato.
Cada partido pode indicar somente um candidato por distrito e o vencedor naquela localidade então assume a cadeira na câmara baixa do Legislativo.
O sistema de “distritão” que a proposta quer implementar no Brasil é o mais criticado por pesquisadores e cientistas políticos – por causa de problemas como desperdício de votos, enfraquecimento dos partidos, dificuldade de coordenar campanhas e vantagens para candidatos ricos e muito conhecidos.
“Ele reúne todos os piores defeitos de todos os outros sistemas e a única vantagem é que ele é fácil de entender”, explica a cientista política Lara Mesquita, professora da FGV e pesquisadora do Cepesp (Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público).
Reforma eleitoral e desperdício de votos
Uma das principais críticas ao sistema de “distritão” e ao voto majoritário para o legislativo é o desperdício de uma enorme quantidade de votos. Isso porque todos os votos em outros candidatos que não os que acabam oficialmente eleitos são desconsiderados.
“Como entram só os nomes mais votados, se o eleitor votar em um candidato médio e ele não se eleger, o voto vai ser jogado no lixo”, diz o cientista político Jairo Nicolau, pesquisador de sistemas eleitorais e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Já no sistema eleitoral atual, se eu votar num candidato que perdeu, o meu voto contribuiu para eleger outro candidato do partido.”
“No distritão não tem isso. Se você tem um candidato que estoura a votação – pode ser de direita ou de esquerda, um Marcelo Freixo ou um Eduardo Bolsonaro – esses votos todos não vão para os colegas do partido, os votos excedentes também acabam desperdiçados.”
Em outros países que adotaram esse sistema, os partidos tiveram muita dificuldade de coordenar campanhas para eleger seus candidatos diante da possibilidade de desperdício de votos, explica Lara Mesquita.
Reforma eleitoral e votos desperdiçados
“Como vou fazer para coordenar os eleitores para votar no partido? Todos podem acabar votando no mesmo candidato. Um partido pode ter uma votação expressiva, por exemplo conseguir ter 30% dos votos em um Estado, mas eleger apenas um candidato”, explica.
Estudos do modelo apontam que é muito difícil fazer essa coordenação em distritos onde se elegem 6 candidatos, diz Mesquita. “Imagina então nos distritos brasileiros, em que se elegeria 15, 30, 70?”
No modelo atual de votação, o sistema proporcional, os votos em candidatos que não se elegeram são aproveitados pelo partido. Só são desperdiçados votos em partidos que não conseguiram eleger nenhum candidato.
Mas por que o voto majoritário é considerado um problema no “distritão” se é usado nas eleições para o Executivo sem problemas? Há uma diferença tanto quanto o papel do Poder Executivo quanto ao formato da eleição, explica Jairo Nicolau.
No Executivo o voto é majoritário porque o cargo é único, ou seja, elegemos apenas um candidato. Já quando existem muitas vagas, como no Legislativo, o sistema majoritário pode ser mais problemático.
“No distritão há muitas vagas, como em São Paulo, e concorre todo mundo contra todo mundo”, afirma Nicolau. Além disso, o Legislativo foi pensado para representar todos setores da sociedade e no “distritão”, essa representação pode ficar distorcida – porque muitos votos que representam um setor podem ir para a mesma pessoa e não são distribuídos com colegas com plataformas similares.
“A ideia é que o Legislativo represente a sociedade na sua diversidade, consiga refletir as clivagens que existem na sociedade no sistema legislativo. E o sistema proporcional favorece essa representação”, explica Lara Mesquita.