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Não se discute que é fundamental o aprendizado de novos idiomas

Idiomas: dois pesos e duas medidas no ensino de Línguas Estrangeiras

Que aprender uma segunda língua é essencial, ninguém discute. A oportunidade permite ao sujeito não só se comunicar em outro idioma mas se aproximar do saber acumulado por diferentes civilizações. Essa característica é enfatizada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

O documento, publicado em 1998, já apontava que, ao estudar uma Língua Estrangeira, o aluno “aprende mais sobre si mesmo e sobre um mundo plural, marcado por valores culturais diferentes e maneiras diversas de organização política e social”. A ideia permanece atual e esses saberes são fundamentais a quem deseja sucesso em um mercado cada vez mais globalizado.

Ministério da Educação (MEC) estuda expandir a iniciativa para idiomas

Não faltam, portanto, justificativas para que idiomas estrangeiros mereçam atenção. As Secretarias de Educação reconhecem isso e tentam expandir o ensino com a implantação de centros de línguas (em cada lugar eles recebem uma nomenclatura própria), que replicam, na rede pública, a estrutura e o sistema das escolas particulares voltadas a esse fim. Os centros vêm crescendo em todo o país, e uma comissão do Ministério da Educação (MEC) estuda expandir a iniciativa.

A proposta de idiomas, a princípio, é positiva, mas há uma dissonância que precisa ser debatida. Enquanto as redes criam cursos no contraturno, pouco é feito para melhorar a qualidade da disciplina de Língua Estrangeira oferecida na grade regular.

O ensino de inglês ou espanhol na escola convive com obstáculos que parecem sem solução. Turmas grandes, carga horária reduzida, muitos docentes com formação deficitária e sem fluência no idioma que lecionam, descontinuidade nos conteúdos e alunos desmotivados são alguns dos empecilhos apontados por estudiosos da área.

Idioma de língua estrangeira

A obra Dimensões Comunicativas no Ensino de Línguas (José Carlos P. de Almeida Filho, 114 págs., Pontes Editores, tel. 19/3252-6011, 28 reais) mostra que, no Brasil, muitos estudantes da rede pública chegam ao 6º ano do Ensino Fundamental, sem nenhum contato com a experiência formal de aprender um novo idioma, o que impacta o planejamento do curso, a produção de materiais e a condução das aulas.

As dificuldades são reconhecidas oficialmente, e o próprio PCN, ao mesmo tempo que admite ser fundamental saber outro idioma, reforça que “deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria das escolas brasileiras (…) podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas”. Por causa disso, coloca o foco na leitura e na formação cultural e permite incluir, dependendo das condições, a compreensão oral e a produção escrita.

Com os centros de línguas, essa brecha pode ser parcialmente solucionada. Presentes em dez redes estaduais e no Distrito Federal (veja quais são elas no mapa na próxima página), sem contar as iniciativas dos municípios, esses locais oferecem um número de aulas maior do que o previsto na grade regular. Os estudantes são organizados em turmas menores no contraturno, formadas segundo o nível de conhecimento que apresentam.

Línguas Estrangeiras Modernas

No Paraná, por exemplo, quem estuda nos Centros de Línguas Estrangeiras Modernas (Celem) faz dois anos do curso básico e mais dois de aprimoramento. Em São Paulo, os cursos duram três anos, divididos em dois níveis. As propostas de língua inglesa são centradas no mercado de serviços e no turismo, com aulas sobre pedir informações na rua, fazer check-in em um hotel etc.

Proposta semelhante, a do Núcleo de Estudos de Línguas, no Acre, enfatiza a oralidade, enquanto a leitura e a escrita ficam para o currículo convencional. Muitos dos centros contam também com um leque variado de idiomas, definidos de acordo com a demanda local.

No Mato Grosso do Sul, por exemplo, há aulas de línguas indígenas, o que se justifica, segundo a Secretaria de Educação, pela numerosa população de índios na região. Em alguns estados, como o Paraná, esses locais são abertos à comunidade. Em outros, como no Espírito Santo e em São Paulo, os alunos com bom desempenho têm a possibilidade de fazer intercâmbio em escolas conveniadas no exterior.

Boa alternativa, mas para poucos

Todos esses aspectos nos levam a olhar os centros de idiomas com bons olhos, mas cabe discutir um pouco mais a fundo a existência e o papel deles na rede pública de ensino. Uma pergunta primordial é se essas opções estão disponíveis a todos. Os cursos são oferecidos no contraturno e a participação é opcional. Não há unidades em todas as cidades de cada estado e quem mora longe fica privado de oportunidades. O ensino ofertado é público, mas não universal.

Outro ponto que merece atenção é qual o papel da disciplina de Língua Estrangeira na grade regular. Aprender um idioma significa ler, falar, escrever, compreender a cultura dos países de origem. Como garantir que cada um dos estudantes saia da escola sabendo essas quatro habilidades ainda é uma pergunta sem resposta. Se a maioria concorda que a maneira como as aulas estão estruturadas e o peso delas no currículo não são ideais para que a aprendizagem ocorra, por que não repensar a questão e mudar esse cenário?

Estudiosos apontam algumas soluções, como aumentar a carga horária mínima, dividir as turmas de modo a atender 15 crianças e adolescentes por sala e exigir que os professores sejam licenciados em Letras e tenham conhecimento do idioma. Outra sugestão é que os governos analisem experiências bem-sucedidas e estudem como replicar aqui práticas que já funcionam fora.

Enquanto as propostas não saem do campo das ideias, os centros de línguas se multiplicam, mas as escolas regulares continuam sem um planejamento eficaz para alinhar leitura, escrita e oralidade. Além de permitir que os alunos se formem com reais habilidades na disciplina.

Criar propostas no contraturno é positivo, mas elas não podem servir de muletas para o ensino regular. Não basta os centros de idiomas funcionarem se as aulas das escolas continuarem se arrastando em infindáveis lições sobre o verbo to be.

Ft: novaescola