A pressão de um perfeccionismo começa em casa com pais hiperpresentes na vida do filho, aumenta na escola com um sistema educacional altamente competitivo
Há poucos exemplos mais concretos de uma sociedade cheia de perfeccionismo do que o defeito favorito mencionado em entrevistas de emprego: “Eu sou muito perfeccionista”.
O orgulho de não se contentar com o suficiente é a característica definidora de nossa época. “É algo muito recente. Nós somos apenas a segunda ou terceira geração nesse mercado hipercomparativo”, afirma Thomas Curran, autor do livro “A Armadilha da Perfeição”, recém-lançado pela Companhia das Letras.
A pressão para ser perfeito começa em casa com pais hiperpresentes na vida do filho, aumenta na escola com um sistema educacional altamente competitivo e atinge o ápice no trabalho e sua promoção meritocrática.
A longo prazo, a insegurança de sentir-se insuficiente o tempo todo pode ser a causa de depressão, ansiedade, burnout, baixa autoestima, pensamentos suicidas. “A vida se torna um tribunal infinito para nossos defeitos”, sentencia Curran.
Doutor em psicologia e professor da London School of Economics, Curran demonstra em sua pesquisa que os níveis de perfeccionismo vêm aumentando significativamente desde os anos 1980.
Essa epidemia silenciosa agravou-se a partir de meados dos anos 2000, com as redes sociais
A psicologia mapeia três tipos de perfeccionismo: orientado a si, com padrões pessoais excessivamente altos; orientado aos outros; e o prescrito socialmente, em que se percebe que o ambiente exige perfeição. É este último que vem se proliferando na cultura moderna.
O autor britânico culpa principalmente o ambiente, ou melhor, a cultura moderna, já que esse crescimento é constatado em diferentes países, faixas etárias e classes econômicas.
“O perfeccionismo não é uma obsessão pessoal —é um fenômeno cultural. Irradiamos perfeição porque o mundo irradia perfeição.”
Se essa epidemia silenciosa já era catastrófica, agravou-se a partir de meados dos anos 2000, com as redes sociais, especialmente entre os jovens. O perfil do amigo é sempre mais bem-sucedido, mais rico, mais feliz e mais viajado.
Curran, no entanto, não culpa as big techs, mas o sistema econômico a que estão submetidas. “Por que o modelo empresarial do Facebook seria diferente de todos os outros nessa economia? As plataformas não saíram do nada. Seria um erro concluir que, se desativássemos todos os aplicativos amanhã, nossa obsessão pela perfeição desapareceria”, afirma.
Um problema contemporâneo que merece uma investigação séria
O livro tira o perfeccionismo das prateleiras da psicologia pop e o coloca em um lugar mais apropriado: um problema contemporâneo que merece uma investigação séria. Para ilustrar seus efeitos, Curran recorre a si mesmo.
Perfeccionista assumido em todas as áreas de sua vida, o autor descreve como uma desilusão amorosa o levou a ataques de pânico e depressão. Tudo agravado porque pessoas como ele raramente revelam a angústia ou buscam ajuda para tratar a saúde mental.
Quando o corpo colapsou, veio o aprendizado. “Esse é o motivo elo qual estou conduzindo pesquisas, escrevendo este livro, fazendo todo o possível para expor os perigos do perfeccionismo.”
Curran, assim como seus colegas acadêmicos como Paul Hewitt e Gordon Flett rebatem “o que talvez seja mito mais pernicioso de todos —que o perfeccionismo é essencial para o sucesso”, propagado pelo psicólogo americano Don Hamachek.
É hora de pensar em uma nova direção
Diversos estudos mostram que os ganhos de rendimento de pessoas altamente perfeccionistas são marginais. Assim, vêm junto a uma carga de problemas psicológicos que não compensam. “Perfeccionismo saudável é um oximoro”, contesta o também psicólogo americano Thomas Greenspon.
Esse é o enredo da armadilha da perfeição. A saída para uma sociedade pós-perfeccionista, propõe Curran, passa por dois caminhos. Um individual, de aceitação de que os fracassos são inevitáveis. Enquanto que o outro é coletivo, como mudanças na fórmula de calcular o progresso de um país e uma renda básica que permita uma sociedade com menos medo do fracasso.
“Isso não deveria soar utópico, controverso. Mas é assim numa cultura que nos convenceu de que as ideias de igualdade são radicais. É hora de pensar em uma nova direção”.
O livro foi escrito um pouco antes de a inteligência artificial passar por um boom, logo após o lançamento do ChatGPT. “O que me assusta mais é que, em busca da perfeição, os humanos estão tentando ‘se robotizar em imagens hiperrealistas geradas por inteligência artificial. Portanto, há definitivamente um novo livro a ser escrito”, afirma ele.
Livro:
A armadilha da perfeição
Preço: R$ 89,90 (320 págs.); R$ 39,90 (ebook)
Autoria: Thomas Curran
Editora: Fontanar
Tradução: Guilherme Miranda