“Vamos voltar embora que aqui não é para a gente”
O desemprego e o aumento do custo de vida têm levado brasileiros que vivem em Portugal a pedir ajuda para voltar ao Brasil. Entre janeiro e março, a agência da ONU para migrações recebeu 363 pedidos de auxílio, o que representa uma alta de quase 300% em relação a 2022. Quem mora no país europeu reclama, principalmente, do valor dos aluguéis.
Quase metade do salário ia para pagar o aluguel
Esse movimento de retorno tem se intensificado nos últimos meses. Esse ano, o Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da agência da ONU para migrações recebeu, em média, quatro pedidos de ajuda por dia de brasileiros que queriam deixar Portugal. Entre janeiro e março, foram 363 casos, um número 290% maior do que o registrado no mesmo período de 2022, quando o programa recebeu 125 pedidos de ajuda. Esse ano, 97 pessoas que viviam em Portugal conseguiram voltar ao Brasil.
Para a advogada Deborah Bergman, o problema foi o aumento do aluguel. Quando se mudou para Portugal em 2017 para estudar, ela pagava 350 euros por um quarto num apartamento compartilhado. Mas viu o preço disparar, chegando a 600 euros. A solução foi procurar moradia numa região afastada do Centro, porque quase metade do salário dela ia para pagar o aluguel.
“Hoje eu moro em um quarto, em uma zona afastada de Lisboa, e pago 420 euros porque não tenho contrato. O que é um preço excelente, e um achado, dei muita sorte, porque o preço de mercado de um quarto é € 650. Um salario mínimo em geral de 700 e poucos euros mal paga um quarto. Num panorama geral, na minha vida, quase não sobra dinheiro por mês. E quando sobra, sobra € 100 porque eu dei uma apertadinha nas contas”, afirma.
“A única coisa que me prende é a questão do visto”
Deborah, agora, pensa em se mudar para outro país da Europa, onde ela consiga um salário melhor. “Eu penso sim em sair de Portugal, principalmente por conta dos salários, é muito difícil crescer na vida aqui. A única coisa que me prende é a questão do visto. Ainda não tenho visto permanente. Então isso é o que mais me prende aqui.
Quando eu tiver o visto de residente, eu penso sim em ir para outros países da Europa onde eu posso ter um salário mais alto, uma condição de vida melhor. E até para poder comprar meu próprio apartamento, estruturar minha vida, porque não vejo essa possibilidade em Portugal”.
A empresária Patrícia Lemos é proprietária da consultoria ‘Vou Mudar Para Portugal’, que presta serviços para brasileiros que querem viver no país. Para ela, é um erro planejar uma mudança para Portugal pensando em ganhar dinheiro. Porque o custo de vida por lá vem aumentando, principalmente, por causa dos altos preços do mercado imobiliário.
O custo de vida em Portugal subiu muito e os salários não acompanham
“Primeiro, é preciso ter planejamento. Dois, um propósito. O seu propósito para mudar não pode ser ganhar grana. Para Portugal, pelo menos, não pode ser. Você vai para os Estados Unidos, para países, até o próprio Brasil para ganhar dinheiro é muito melhor do que Portugal. A inflação e o custo de vida aumentaram significativamente. E o país vive um processo que a gente vê as discursões do governo em relação a esse tema porque é uma dicotomia.
O país precisa crescer porque não é rico. Precisa crescer e ganhar dinheiro. Então tem incentivo imenso a turismo e imigração. A contrapartida é que é um país pequeno, pouco produto, muita gente querendo, aí, os preços sobem. Então você tem mercado imobiliário que subiu absurdamente. Ao mesmo tempo, o país precisa do imigrante porque é um país envelhecido. Só que não tem casa para essas pessoas morarem”, reforça.
A gestora de equipes Isabela Caetano mora em Portugal desde 2017 e tem planos de voltar pro Brasil ainda esse ano. Ela disse que os salários não acompanham a qualidade de vida que ela imaginava e que, por isso, não compensa mais ficar longe da família.
“O custo de vida em Portugal subiu muito e os salários não acompanham. Aquela qualidade de vida que a gente imaginava que teria em 2017, não acompanha. E parece que não compensa o desconforto de morar longe da família”, diz.
A repatriação é uma medida excepcional de assistência
“A obrigação ele não tem. O Consulado tem outra finalidade que é de emissão de vistos, apoio, em caso de guerra, pessoa em extrema necessidade. No caso da pandemia, vários aviões vieram para o Brasil. De outra forma, em casos de calamidade, como problema na Rússia. Agora, uma pessoa em específico não vai ter esse atendimento personalizado, de ir pagando. Senão, vai todo mundo tentar, e depois não dando certo, vai voltar às custas do governo brasileiro. Mas posso ter uma portaria, decreto, que apoie essas pessoas, por exemplo”.
O Itamaraty disse, em nota, que a repatriação é uma medida excepcional de assistência, destinada a pessoas efetivamente necessitadas e em situação de vulnerabilidade.