O longa vai tirar seu fôlego por 96 minutos
No roteiro de Matthew Newton, Jessica Chastain é a antípoda de Maya, o tipo que viveu no excelente “A Hora Mais Escura” (2012). A personagem-título de “Ava” (2020) parece em paz com sua condição de fora da lei, mas só parece. O diretor Tate Taylor coloca na boca e nos gestos de sua personagem central ideias e reações absurdas, que afrontam com gosto o politicamente correto, sem medo de cara feia ou cancelamentos.
Ava, uma mulher bonita e com refinamento, é famosa no submundo. Sobretudo, pelo hábito nada invejável de dar a suas vítimas a chance de deixar este mundo com alguma dignidade, o que também a diverte. Sua psicopatia até pode passar por mera excentricidade. Mas ela mesma sabe que não tem nada de normal, e esse é o momento em que quem se entretém é o público.
Guardadas as devidas proporções, Ava (Jessica Chastain) está mais para a mulher psicologicamente adoecida de “Os Olhos de Tammy Faye” (2021). Levado à tela por Michael Showalter, ambas às voltas com fantasmas de uma vida sem muito sentido.
Na sequência de abertura, Ava, alcoólatra em recuperação e ex-delinquente juvenil, serve de taxista a um homem que apanha no aeroporto de Paris. Impecavelmente arrumada, batom roxo contrastando com a pele alvíssima e uma peruca loira e curta, escondendo os cabelos ruivos. Instantes depois, ao longo dos quais transcorreu uma conversa enviesadamente sexualizada entre ela e Peter, o passageiro, vivido por Ioan Gruffudd. Então, ela o conduz a um terreno baldio, salta do carro e vai para o banco de trás, onde ele está sentado. O que vem a seguir não tem nada de romântico, e deixa claro que, em se tratando de concluir uma missão, Ava supera qualquer situação. E não se importa em ferir suscetibilidades.
Ava até quer se emendar, se entender com a mãe e mudar de vida
Suas próprias fraquezas vêm à tona sob o relacionamento perigosamente tumultuado com a mãe, Bobbi, papel de Geena Davis. Assim, ela prova que ainda tem muita, mas muita lenha para queimar. Bem como, com a irmã, Judy, de Jess Weixler, hoje casada com Michael, um ex-caso, interpretação contida e cativante do rapper Common.
No outro extremo, o dos afetos efetivamente realizados, encontra-se Duke, de John Malkovich. O mentor, por cujas mãos chegara a um ponto de destaque no posto de assassina de aluguel, disputada por corporações de todo o mundo. Uma carreira tão marginal quanto instável, pois Simon, o provável substituto de Duke, personagem de Colin Farrell, passa a tê-la como um alvo fácil. Explicitando suas falhas e tripudiando de seus vícios.
É justamente dessa maneira, desdobrando os segredos de polichinelo dessa mulher comum e atormentada, que Taylor dá azo a um dos melhores thrillers do cinema recente. Desse modo, valoriza a boa dobradinha de Chastain e Davis, pois poderiam ter tido uma melhor elaboração em certos trechos. Ava até quer se emendar, se entender com a mãe, mudar de vida. Mas o que se tem subentendido é quão comprometida se deixou ficar pela vida que julgava perfeita. O tempo da esperança passou e ela só pode fingir que não se importa.