Os roteiristas Jon Bokenkamp e Todd Komarnicki pegam pesado com a protagonista
Halle Berry é uma das atrizes de carreira mais irregular de Hollywood. Berry, Oscar de Melhor Atriz pela comovente performance de uma viúva em busca de reparação no drama racial “A Última Ceia” (2001), de Marc Forster, passa anos no ostracismo. Como se à caça de papéis em que seu dinamismo seja valorizado, o que nem sempre sói acontecer. Parece haver uma linha invisível que divide seus trabalhos entre bons e nem tanto. Malgrado ela esteja, entretanto, sempre disposta a arriscar e dobrar apostas na nobre intenção de levar o filme que estrela para cima. É o que se percebe em “A Estranha Perfeita”, um enredo denso, caudaloso, tumultuado.
Em 109 minutos, James Foley faz um passeio pelas mentes de dois personagens atormentados por fantasmas de outros tempos. Como se estivessem, por exemplo, condenados a reviver uma história infeliz de que não conseguem se livrar. Uma delas, Rowena Price, de Berry, cresce cada vez mais e quanto maior a altura, no entanto, mais aumentam as chances de um tombo perigoso. Não por sua própria culpa, mas pela vulnerabilidade que fica às guinadas meio artificiosas depois de um primeiro ato enfadonho.
Os roteiristas Jon Bokenkamp e Todd Komarnicki pegam pesado com a protagonista. Pois “A Estranha Perfeita” começa como um thriller político auspicioso. Sobretudo, com Berry em destaque como Rowena, uma jornalista investigativa absorta por um trabalho envolvendo o senador Sachs, de Gordon MacDonald. Além do total descompasso entre o que de fato é e o que defende como parlamentar. Essa talvez seja a maior das inúmeras pistas falsas do texto de Bokenkamp e Komarnicki, juntamente com as insinuações sobre os sonhos profissionais de Rowena.
Bruce Willis entra em cena como Harrison Hill, o magnata
E ela dispõe de um talento bastante peculiar quanto a fazer com que quem a rodeia leve-a a sério. Nesse campo semântico, Foley explora ainda passagens da repórter por infernos como o Iraque, onde realizou a cobertura fantasiosa que ajudou o inepto George W. Bush a se segurar na Presidência dos Estados Unidos, sempre visando a Pulitzers e festinhas desenxabidas em casa de figurões, o que nunca se concretiza.
Alvis Narron, o editor vivido por Richard Portnow, corta-lhe as asas. Mas com a ajuda de Miles Haley, o amigo nerd interpretado por Giovanni Ribisi, ela tem uma segunda (e decisiva) chance de alcançar o objetivo que dá a entender ser a motivação do filme.
Bruce Willis entra em cena como Harrison Hill, o magnata com quem Rowena tem um passado nebuloso, talvez tarde demais. É evidente e louvável o empenho de Willis e Berry em tentar fazer surgir uma afinidade qualquer. Contudo, mesmo no mesmo quadro, o antagonista e a personagem central parecem sozinhos. E a disputa entre Hill e Rowena se transfere para os atores, como se competissem entre si pelo estrelato do longa. Ainda mais quando a disputa deveria se dar só do ponto de vista dramatúrgico.
Halle Berry é diretora, roteirista e atriz principal de “Ferida”
Nos poucos lances em que a subtrama dos dois se eleva um dedo acima da linha da água, o diretor aproveita para incluir passagens da vida da antimocinha de Berry em flashback. Pois assim, ficam menos turvas as atitudes de Rowena.Uma psicopata à altura do homem que pretende aniquilar.
Em 2020, Halle Berry estreou como diretora, roteirista e atriz principal de “Ferida” (2020). Um drama bastante persuasivo sobre uma ex-lutadora de MMA. A atriz se vale da retomada da carreira como pontapé inicial para a transformação de vida de que precisa tanto. É hora de Berry investir sistematicamente nesse nicho de sua profissão. Contando, portanto, com a sensibilidade para contar histórias difíceis e mais genuínas como a que assiste em “Ferida”. Já “A Estranha Perfeita” deve lhe servir de norte sobre o que não fazer.