Os primeiros registros do uso descreviam os povos indígenas no Brasil
O termo pardo tem origem do latim pardus e do grego pardos. “É o que se chama de pantera macho, que tem uma cor nem tão escura, nem tão clara. Foi esse o nome que também denominava os pardais, um tipo de pássaro oriundo do Oriente Médio que chegou na América em 1850”, explica o sociólogo Vítor Del Rey, presidente do instituto Guetto. Ele também é professor visitante no MIT (Massachusetts Institute of Technology).
As equipes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) já estão batendo de casa em casa para coletar informações para o novo Censo Demográfico. Entre elas, a autodeclaração sobre a cor ou raça de cada um da população, que pode ser: branca, preta, indígena, amarela ou parda.
No último caso, atualmente o termo “pardo” serve para identificar uma parcela da população negra (que representa a soma de pretos e pardos). Mas os primeiros registros do uso foram para descrever os povos indígenas no Brasil.
O que é pardo e qual a origem do termo?
Del Rey explica que o termo está documentado nas primeiras cartas enviadas depois da chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500. Pero Vaz de Caminha, por exemplo, utilizou o termo para se referir aos indígenas que não eram nem tão escuros, nem tão claros.
“Ele acabou pegando para designar pessoas miscigenadas que não eram tão brancas e nem tão pretas. Seja na mistura indígena, europeia ou africana”, explica o sociólogo. Esta classificação de cor no Brasil durou até o censo de 1890, quando passou pela substituição por “mestiço”. Só voltou oficialmente com Getúlio Vargas em 1940, e dura até hoje.
Pardo como separação entre brancos e “não brancos”
Lançando um olhar histórico sobre o termo, é possível perceber que ele também servia para distinguir brancos de quem não era branco. “Cria-se, então, a ideia de um grupo de humanos [brancos] e de sub-humanos [não brancos]”, explica o doutor em antropologia (UFPE) cientista social (UFRN), Gilson José Rodrigues Junior.
O termo também foi uma forma de tentar deixar a população mais branca: ao mesmo passo que pardos ainda não eram considerados brancos, estavam mais distantes de serem negros, o que era almejado para que o Brasil fosse cada vez mais parecido com a Europa.
Luta para abolir o termo pardo
Na década de 1990, no entanto, o movimento negro estruturou uma grande campanha chamada “Não deixe sua cor passar em branco”. A campanha pretendia espalhar pelo país a ideia de que a quantidade de pessoas negras no país era muito maior do que a retratada pelos números de Censos antigos.
Por causa do racismo, indígenas e pessoas negras prefeririam se autodeclarar nos Censos em outras categorias raciais. No entanto, criava uma descompasso entre os números oficiais e a realidade brasileira, afetando especialmente políticas públicas destinadas a essas populações.
“A categoria deveria ser abandonada e superada. Se não há categorias para brancos, não deveria existir para negros”, diz o Gilson.
Já a indígena do povo Macuxi, Trudruá Dorrico, doutora em teoria da literatura (PUCRS), alerta que existe uma lacuna para o processo de racialização de povos indígenas.
Há mais de oito décadas o termo está no questionário do IBGE
Dorrico enxerga que a categoria pardo é uma associação colonial que buscou generalizar a diversidade de povos existentes no que hoje chamamos Brasil. Mas até hoje carrega traços, até mesmo no sistema do Censo Demográfico.
“A falta de informação combinada com a longa política indigenista de integração são barreiras para a autodeclaração indígena. Pois, o próprio Censo e os recenseadores têm engessado a imagem do ‘indígena autêntico’, como aquele vivendo na comunidade, na floresta e longe de qualquer convívio com a cidade”, continua.
Há mais de oito décadas o termo pardo está no questionário do IBGE. Mas, para os especialistas, o termo pode ter chegado ao seu limite para descrever e explicar etnias de forma real no Brasil.
“O pardo já está deveras desgastado e as pessoas só o utilizam porque é um critério que o IBGE utiliza desde 1940. O termo foi utilizado erroneamente no período colonial para designar a cor de pessoas misturadas. Foi um termo abandonado, mas resgatado como resultado das políticas que valorizavam o mito da democracia racial”, defende Del Rey.